EVOLUÇÃO PARALELA: COMBATENDO O METAGAME #4
Olá novamente, eu sou o Sergio Menna, e essa é a Evolução Paralela, uma coluna em que iremos discutir soluções para o metagame de Battle Scenes que tentam combater as estratégias populares usando cards não tão populares. A principal premissa desta coluna é evitar usar os cards que constituem o atual meta – isso mesmo, sem Pyro, Vampira, Cassandra ou o simpático Formigão!
Como nosso propósito principal é discutir o metagame de Battle Scenes, eu não poderia adiar uma discussão que irrompe entre a comunidade do jogo, em praticamente todo o país. Sim, hoje vamos discutir sobre a “suspensão” do card Despedaçar a Realidade no Battle Royal, o primeiro grande evento da Copag.
1. Apresentando Despedaçar a Realidade
Despedaçar a Realidade é um card de personalidade forte, no mínimo. Se questionarmos os jogadores de BS sobre a opinião dele sobre este card ele irá muito provavelmente gostar muito ou odiar com todas as forças essa habilidade (até o momento) única do jogo. Pouquíssimos acreditam que ela seja apenas “ok”. Vamos aos fatos:
Despedaçar a Realidade é um card de habilidade de Telecinésia, que só pode ser usada em seu combate;
Ela exige que o personagem que a use seja incapacitado em dois para tal;
Ela é descarregada do personagem quando usada e não permite que o personagem que a usou seja capacitado no próximo turno;
O jogador que a usou pode jogar um turno extra após o atual.
Por si, eu acredito que não há nada demais com o card. O problema é que não podemos analisar este card de maneira isolada. Temos que pensar no funcionamento dela no ambiente em que o jogo se encontra. E este ambiente atual do jogo é o que nós nos referimos como metagame.
2. O que é metagame?
A definição de metagame conforme a Wikipédia é “qualquer estratégia, ação ou método usado em um jogo que transcende as regras do jogo em si, usando fatores externos para influenciar o jogo, ou que vá além dos supostos limites ou ambiente de jogo”. No campo da teoria dos jogos, surgem outras definições que se aproximam desta. Um exemplo é a definição de Nigel Howard em Paradoxes of rationality: theory of metagames and political behavior (Cambridge, MIT Press, 1971) que define “metagame é o universo do jogo alheio ao jogo em si”. Para uma definição mais simples, metagame é o uso de informações fora do jogo que afetam as decisões em jogo.
Usamos o termo metagame muitas vezes para expressar o ambiente que circunda o jogo. Dizemos que um card ou um deck é “do meta” porque nós o vemos muito no ambiente de jogo. Embora essa interpretação não esteja errada, o metagame é mais do que isso. O simples fato de você usar um card porque você prevê uma situação é uma decisão fora de jogo, que usa informações de fora do jogo e que vai influenciar suas decisões em jogo. Se você usa Amplificador Mental no deck, por exemplo, é muito provavelmente porque você joga num ambiente competitivo onde você espera que existam decks que se baseiam em habilidades de Telepatia e/ou Telecinésia.
Agora, falemos um pouco sobre o Battle Royal.
Há poucos dias, a Copag anunciou em seu site que “com o objetivo de proporcionar a melhor experiência de jogo para todos os participantes, anunciamos que não será permitido o uso do card Despedaçar a Realidade no Battle Royal 2015”. Logo veio a reação da comunidade, consagrando/desecrando a decisão da empresa em restringir o uso deste card. Muitos argumentos foram apresentados, incluindo um – menos polarizado entre amor e ódio ao card – que expressou preocupação em tomar tal decisão a pouco menos de duas semanas para o torneio.
Antes de prosseguirmos, um disclaimer: em nenhum momento manifesto minha opinião aqui como a favor ou contra a decisão da Copag, tampouco minha opinião com relação ao card Despedaçar a Realidade. Reservo-me apenas a apresentar a discussão e seus desdobramentos, como também as possibilidades para o cenário competitivo de Battle Scenes.
Isso dito começou a surgir opiniões com relação ao banimento de cards. O meu amigo Yuri (que chamarei de agora em diante de Profeta) discutiu em sua coluna Discussão Teórica há um tempo justamente essa questão de banir ou não cards em Battle Scenes. A discussão lá gerada se arrastou por um tempo considerável porque este é um tema muito sensível aos jogadores. E não é pra menos – afinal de contas, isso afeta o nosso jogo.
A principal crítica ao card Despedaçar a Realidade é que ele permite criar uma estratégia de turnos infinitos, e que essa estratégia trata-se de um combo degenerado que compromete o ambiente de jogo competitivo. Vamos falar sobre isso no nosso próximo ponto.
3. Ambientes de jogo degenerado
Uma vez entendido o que é o metagame, entendemos o que vem a ser o ambiente de jogo competitivo. Para reforçar a ideia, é o ambiente no qual nós – jogadores – nos valemos de informações fora de jogo (como por exemplo, qual o deck/card que mais roda na nossa região) para tomarmos decisões fora do jogo (o card contra algo específico, como o Amplificador Mental) e que irão afetar as decisões em jogo (aquele momento durante a partida em que decidimos se o card contra algo específico em cena vai ser jogado ou não).
Agora, um ambiente de jogo degenerado em um card game é um ambiente de jogo em que a presença de um ou mais combinações de cards (os famosos combos) degenerados se faz presente em sua quase totalidade. Por fim, combos degenerados são aqueles que criam uma forma automática de vitória ou uma situação onde a vitória é iminente e/ou imparável.
Primeira Conclusão: ambiente de jogo degenerado é um ambiente de jogo em que a presença de combos que geram vitória automática ou condições de vitória iminentes/imparáveis aparece com frequência.
4. Soluções para ambientes de jogo degenerados
E agora começamos a discussão de verdade. Em jogos de estratégia competitivos, onde jogadores jogam contra outros jogadores em competições por um prêmio, eventualmente surgem combos degenerados que ameaçam comprometer ambiente competitivo. Caso o jogo em si tenha muito pouco ou nenhum recurso para efetivamente combater o combo degenerado, faz-se necessário, em nome da saúde do jogo, tomar uma decisão mais severa com relação ao citado combo. Essa solução pode variar entre banimento e/ou restrições de uso dos cards envolvidos no combo.
Em primeiro momento, falemos sobre banir cards. Cards banidos não podem compor nenhum deck competitivo. Ponto final. A vantagem de existir uma lista de cards banidos é que você evita totalmente o combo ao banir o card principal do combo. A desvantagem é que isso impede qualquer outro deck de usar o card de maneira não degenerada e remove completamente do cenário competitivo aquele card. Ainda: normalmente quando se bane um card, os decks que eram “predados” pelo deck que usava aquele card, agora banido, voltam a jogar e, muitas vezes, se tornam degenerados. Isso acaba por levar a uma espiral de banimento de cards que pode demorar em acabar, afetando a saúde do jogo competitivo.
A restrição de cards consiste em restringir o uso de cards, seja pela quantidade ou pela combinação. Por exemplo, nos campeonatos Vintage de Magic, a lista de cards restritos engloba cards que só podem ser usados em quantidade limitada nos decks. Apenas uma cópia de cada card restrito pode ser usado. Para citar um exemplo diferente, em Warhammer Invasion, a lista de cards restritos limita o uso de combinações. Ao construir um deck nesse jogo, você pode escolher apenas um card da lista restrita para usar em seu deck, e usar o card em quantidade normal (no Warhammer Invasion, assim como em BS, pode-se usar até três cópias de cada card). Assim, para que seja efetiva a medida, em WI cada card que compõe um ou mais combos degenerados são restritos – para que, dessa forma, você não possa o combo em si, mas podendo usar um dos cards do combo de maneira isolada. A principal desvantagem de uma lista de cards restrito é que essa lista é maior – e muitas vezes, muito maior – do que uma possível lista de cards bandidos. Aumenta a complexidade do jogo tanto na construção de decks como limita as opções dos designers do jogo sobre os cards que podem existir – uma vez que não há nenhuma intenção de um designer de jogos de criar cards para serem restritos ou banidos. Os cards normalmente “dão errado” no metagame porque é só no meio do jogo competitivo que se pode analisar seu efeito. Por isso, criar o card na décima coleção é mais difícil, em termos de design, do que, por exemplo, criar o card na segunda coleção.
Uma terceira forma de corrigir esse problema é criar formatos de jogo mais curtos em termos de cards disponíveis para competição. É o caso dos formatos limitados (pré-lançamento) e do Standard de Magic, onde apenas as duas últimas coleções compõem a “pool” de cards para criação de decks. Essa opção eu não creio que seja boa para BS por alguns motivos, dentre eles: o pequeno número de cards por coleção (100), o pequeno número de coleções já lançadas (sete) e pelo simples fato de que se eu quisesse jogar um card game parecido com Magic, eu teria continuado jogando Magic.
Segunda Conclusão: existem soluções para combater combos degenerados e impedir ambientes competitivos autodestrutivos. No entanto, deve-se ter atenção para que a solução não se torne pior do que o problema que ele deveria combater.
5. Despedaçar a Realidade é imparável?
Agora, vamos para a pergunta que não quer calar: é possível parar o combo de turnos infinitos criados com Despedaçar a Realidade?
Para responder essa pergunta, vou pegar de exemplo uma estratégia de turnos infinitos (TI, para simplificarmos) bastante conhecida. Essa estratégia envolve os seguintes passos:
Usar o Despedaçar a Realidade com algum personagem apto – em geral, com o Capitão Universo que evoluiu de um personagem não vilão;
No turno “seguinte”, evoluir o Capitão Universo novamente com outro card de Capitão Universo. Ao fazer isso, você recarrega o Despedaçar a Realidade (ele foi parar nos seus recursos quando você o usou pela primeira vez), capacita o Capitão Universo e usa o Despedaçar a Realidade novamente;
Repetir o passo anterior, até que alguma condição de vitória do deck esteja presente.
Obviamente, o desafio ao jogar com esse deck é repetir os passos instruídos no ponto anterior. Jogando com três cópias dos cards principais (Capitão Universo e Despedaçar a Realidade) não é possível gerar uma interação que dure por uma quantidade arbitrariamente grande de tempo (para não dizer infinito). Esse deck usa um conceito de recursividade, que eu pretendo expor a seguir.
Imagine que você tem um deck que tem um potencial de dano grande como o que falamos na coluna anterior, de Pyro + Selene, com Adagas e tudo o mais. Esse combo é uma ferramenta que você consegue usar numa partida, no máximo, umas duas vezes. Digo isso porque é difícil você “recuperar” os cards de Pyro, Selene, Retirada etc. Você pode gerar todo aquele dano na preparação de um turno, mas somente uma ou duas vezes na partida. Isso é bom, mas sabe o que seria melhor? Fazer isso quantas vezes você quiser.
Recursividade é um termo que eu uso para explicar a capacidade de um deck de repetir ações. Tecnoassalto e Toupeira Mecânica são um exemplo de sinergia que é altamente recursiva, ou recorrente: sem a interferência externa (do seu oponente), você pode replicar esse truque uma quantidade de vezes que achar necessário.
A proposta do TI é justamente essa: ter um sistema de recuperação de cards que possibilite sempre ter Capitão Universo na mão para evoluir um personagem em cena, e sempre ter Despedaçar a Realidade nos recursos para carregar no personagem evoluído. Essa interação pode se tornar recursiva graças a dois cards que permitem sempre comprar Capitão Universo e sempre devolver o Capitão “descartado” para o deck. Esses dois cards são Convocar Reforços e Professor Xavier V1. Convocar Reforços permite recrutar para sua mão dois personagens do deck, desde que sua mão esteja vazia. Professor Xavier permite, com seu texto, devolver o Convocar Reforços para o deck quando este estiver em seus recursos. Agora, ao invés de você precisar comprar todo o turno o Capitão Universo, você só precisa comprar todo o turno o Convocar Reforços. Com o Mystério, o ciclo se fecha.
O ciclo de cards e a recursividade do TI são tanta que precisaria usar uma série de cards para pará-lo completamente. Eu consigo imaginar uma estratégia que pare o primeiro uso de Despedaçar com Jaqueta Amarela, que vá colocando recursos na base do deck do oponente com Toupeira Mecânica, e que eventualmente consiga remover a habilidade de usar cards de Telecinésia com um vilão em jogo e Amplificador Mental, e com TAA II para parar o uso de cenários como cards para serem carregados e impedindo-os de serem alvos da habilidade do Professor X. Mas sinceramente: esse deck dificilmente conseguiria repetir este padrão contra cada deck de TI e não faria nada contra nenhum outro deck no metagame.
Terceira Conclusão: em minha opinião, Turnos Infinitos (TI) é uma estratégia que se baseia em um combo degenerado, imparável pelos cards que atualmente existem e que gera uma condição de vitória iminente.
6. Encerrando
Agora, após expor todos meus argumentos e por fim minha opinião sobre o combo do qual Despedaçar Realidade torna possível, quero novamente falar sobre a decisão da Copag em restringir o uso do card: compreendo o motivo que os levou a fazê-lo, mas o tempo não foi adequado para dizer o mínimo. Acho que o desafio da Copag com relação à como resolver os combos degenerados será grande, mas deixo um conselho: consulte a comunidade de BS. Existem milhares de jogadores de BS, todos eles têm interesse em que o jogo prospere e principalmente eles compõem a maior parcela das partes interessadas. Aconselho a Copag a ouvir também os organizadores de torneios e aos lojistas, porque essa galera já tem prática em resolver problemas do jogo.
Quarta Conclusão: Copag ouça nossa opinião. Nós – jogadores, lojistas e organizadores de eventos – podemos ajudar vocês com os problemas do jogo.
Sei que esse artigo pode trazer muitas opiniões contrárias à minha, mas peço que entendam que discordar é saudável e esperado. O principal ponto das minhas colunas é incentivar o debate do metagame entre os jogadores. Sintam-se à vontade para enviar sua opinião por e-mail (mennamtcg@gmail.com.br). Peço desculpas pela falta de imagens e textos inspirativos do Sun Tzu, e até semana que vem!